terça-feira, 28 de junho de 2016

Próprio caminho - Mirela

 Mirela cresceu numa cidade pequena e com pouquíssimas pessoas. Seus sonhos? Nunca havia parado para pensar. Era ocupada demais. Perdeu a mãe aos dez anos de idade, tinha duas irmãs mais novas de quem tinha que cuidar, trocar fralda, alimentar... Sempre viveram com dificuldade  em relação a grana, perder a mãe foi a pior coisa. O pai começou a beber um ano depois e não demorou muito até ele não ter mais condições de gerenciar o hotel do Sr. Morales. Mirela levava as irmãs a escola de manha cedo e ia limpar quintal de vizinhos para conseguir uns trocados.

Aos quatorze anos, Mirela poderia ser confundida com uma mulher de trinta se não fosse pela aparência. Nunca teve amigas. Não tinha tempo para isso. Greta, sua irmã mais nova de apenas oito anos pegou uma virose fortíssima. Naquelas condições de vida e com o dinheiro que tinham, não demorou muito e Greta faleceu. A vida de uma jovem garota poderia ser pior? Um pai bêbado, o medo do conselho tutelar tirar ela e sua irmã de casa e as separar, estudos indo de mal a pior, sem dinheiro, fome, uma irmã complicada.

Mirela tinha quinze anos quando pegou a irmã de treze dentro do quarto com um cara bem mais velho. Mirela não aproveitou a infância porque não pode, Gabi não aproveitou porque não quis. Gritava que a irmã não era a mãe dela. O pai começou a passar noites fora, caído nas ruas. Os vizinhos começaram a reclamar das confusões e barulheira na casa. Cortaram a luz. Mirela estudava de manha, trabalhava o resto do dia. Procurava o pai nos becos de madrugada, as vezes revezava, e ia procurar a irmã. Encontrava ela em lugares piores do que o pai. As vezes nem encontrava. 

Um dia, com dezessete anos, resolveu que ia embora. Não tinha muita coisa. Pegou todo o dinheiro que tinha. Era dela, ela conseguira com seu esforço.  Colocou algumas mudas de roupa na mochila e saiu de manhã como fazia todos os dias. Mas dessa vez não foi a escola. Pagou uma passagem de ônibus para  outro lado do país. Mirela sumiu.

Nem deram falta dela. Demorou uns bons dias para verem que a geladeira não estava mais sendo reabastecida, que não tinha roupas limpas, que não tinha dinheiro na casa, e que a agua acabara também. Mirela não deixou nada pra eles. Ela queria uma vida. Queria poder ter um sonho.

E teve. Vendeu bala no farol, limpou quintal de gente, revendeu marcas, fez tudo que podia, e deu sorte, conheceu um cara legal. Conseguiu uma bolsa na faculdade, Voltou anos depois a casa do pai, agora ela tinha coragem. Mas não havia casa. 

No lugar onde um dia morara, um prédio bonito. Perguntou a muita gente. Ela ficou surpresa ao saber que estavam vivos, não esperava muito deles. Encontrou seu pai na prisão. Velho, acabado, e nem tinha idade pra estar assim. Ele a reconheceu, chorou, não falou nada. Ela também não. Apenas se viram mesmo.

 Sua irmã foi mais fácil ainda de achar. Todos na cidade  conhecia, sabiam do que havia acontecido com ela. Mirela teve que entrar em contato com um cara rico, um cara nojento. Vinte e cinco anos e trabalhando em esquinas para poder ter seu dinheiro. Sua irmã parecia muito velha e acabada. Sentia cheiro de urina quando foi abraçada por ela, sentia cheiro de drogas, bebida...

Mirela contou da sua vida, do seu casamento e do filho que esperava, mas Mirela não tinha pena. Foi embora, nunca mais voltou. Não ia voltar a uma vida que roubava seus sonhos. 

Cada um havia escolhido o próprio caminho.

- Letícia Pontes



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