quinta-feira, 30 de junho de 2016

Próprio caminho - Gabi


Desde novinha Gabi queria conhecer a praia. Via fotos  em revistas e via na TV . Dizia ser sereia, mas quando sua mãe morreu, ela perdeu as esperanças. Tinha só oito anos, quem levaria ela a praia? Todos os dias pedia para seu pai a levar, ele resmungava que não havia praia ali, e nem perto. Seu pai não a levava nem a escola, quem dirá a praia.

Amava loucamente a sua irma mais nova, a pequena Greta era como uma preciosidade e ela sentia uma grande responsabilidade por ela. Nunca sabia onde sua irmã mais velha estava, sumia de manhã e voltava quando queria. Gabi falava pra irmã que ia ficar rica e iriam se mudar para a praia. Acreditava no amor verdadeiro e escrevia longos textos românticos. Queria ser escritora. Mas o dia da morte de Greta foi o dia que Gabi desistiu de todos os sonhos. Gabi culpava seu Deus e culpava a irmã, culpava o pai e até a mãe.  Odiava o pai, um bêbado que nem lembrava que tinha filhas. Odiava a irmã, que nunca lhe dera atenção. Só queria sua irmã de volta, seu motivo de sonhar.

Tinha doze anos quando conheceu as drogas. Começou a beber com uns amigos mais velhos. Gabi era muito atraente e inteligente, mas não sabia usar isso a seu favor. Gritava com irmã, faltava as aulas e gastava todo o dinheiro que a irmã entregava a ela, com festas.

Conheceu um cara aos treze anos, virou mulher, mudou seus planos, voltou a sonhar. Queria ir a praia e ele prometeu levar ela. A irmã gritava que ela era apenas uma criança, que nem ela tinha uma vida com um cara, nem ela que era dois anos mais velha. Mas Gabi não se importava com mais nada a não ser com ela mesma. Tinha vergonha do pai que tinha, tinha raiva da irmã que lhe restara. Passava noites fora, com o namorado, ou com as amigas. 

Percebe que sua irmã  não parava em casa, que não reabastecia a geladeira, que não limpava nada. Gabi não tinha luz, nao tinha água, não tinha comida. Foi morar com o namorado, mas os pais dele nao queriam uma adolescente de quinze anos morando no quarto dele. Um dia ele foi embora. Sem mais nem menos. Não deixou recado, apenas uma casa vazia. Os vizinhos diziam que a semanas falavam que se mudariam. Ele havia conseguido passar para uma faculdade  numa cidade grande do país. 

Sua irmã havia partido, seu namorado também. Ela havia saído da escola, procurava o pai todos os dias, procurava emprego, procurava uma vida. Odiava sua irmã com toda a alma e desejava a morte dela. Vendeu moveis da casa, vendeu tudo. Lhe restou colchões, algumas roupas, e um caderno cheio de poemas. Os vizinhos chegaram com uma notícia, seu pai havia matado um homem numa briga de bar. Estava preso. Ela não ligava. Mas agora, chamaram o conselho tutelar. Uma garota de dezesseis anos não podia viver sozinha.

Gabi podia ter ido a um orfanato, viver com comida, roupa limpa, uma cama... Mas preferiu fugir daquilo, procurou um cara na cidade, e começou a trabalhar para ele. Durante anos, conheceu muitos caras, todos queriam apenas umas hora com ela. Pelo menos tinha dinheiro, era o que ela dizia, mesmo que quase tudo fosse para seu chefe.

 Sua vida passou. Sua adolescência terminou. Não teve infância, pobre Gabi. Viveu no meio imundo. Sonhava com a praia todos os dias, e com num príncipe encantado que a resgataria daquele inferno. Certo dia soube que sua irmã estava na cidade, mas seu chefe não a liberou para sair de folga. Por sorte a irmã a visitou numa esquina qualquer. Se sentia tão envergonhada quando viu a irmã em roupas bonitas e lavadas, cabelo limpo e maquiada, e um detalhe extra, sua barriga carregava uma vida nova.

Sua irmã tinha fugido, tinha construido um sonho, uma vida. Ela tinha um lar. E Gabi? Gabi nunca foi forte o bastante ra se arriscar. Não merecia ajuda da sua irmã, ou talvez merecesse, mas não recebeu. A irmã era severa, e falava que cada um deveria arcar com as próprias consequenciais. Elas não eram irmãs de verdade, elas apenas haviam nascido da mesma mulher.

Gabi nao precisava contar como havia chegado aquele ponto. Mirela, sua irmã, foi embora. Voltou a vida que havia construído. 

Gabi entendia, afinal, cada um havia escolhido o próprio caminho.

- Letícia Pontes
 



4 comentários:

  1. Fiquei muito curiosa pra saber da Greta!!!

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    1. KKK, infelizmente não vai ter parte dela. Como ela faleceu muito nova, não tem muito o que contar dela, sabe?

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